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Boicotes e sustentabilidade: A era do poder do consumidor na economia brasileira

Por Patricia Punder, advogada e CEO da Punder Advogados

O poder do consumidor tem se tornado um fator crucial na economia brasileira, influenciando diretamente as práticas ESG (ambiental, social e governança). Com o maior acesso à informação e a crescente consciência socioambiental, os consumidores estão mais exigentes, demandando transparência e responsabilidade das empresas. Este comportamento está impulsionando mudanças estratégicas e investimentos em sustentabilidade, governança e inclusão social.

O impacto econômico é evidente na preferência por produtos sustentáveis, na punição de marcas envolvidas em escândalos socioambientais ou com influenciadores digitais e na valorização de empresas com boas práticas ESG. Setores como o agronegócio, energia e indústria estão se adaptando a essas demandas, buscando certificações e tecnologias mais limpas.

No Brasil, essa tendência é reforçada por regulações mais rígidas e pelo engajamento das novas gerações. A integração do ESG no mercado financeiro mostra que os investidores também estão atentos, ampliando o papel do consumidor como agente de transformação.

As redes sociais desempenham um papel essencial, pois permitem que críticas e elogios atinjam grandes audiências rapidamente, forçando empresas a se posicionarem e adotarem mudanças. As redes sociais proporcionam aos consumidores um canal poderoso para expressar descontentamento ou apoio a práticas empresariais, podendo gerar um impacto imediato em marcas que não cumprem expectativas em termos de responsabilidade social e ambiental. Por exemplo, campanhas de boicote podem se espalhar rapidamente, pressionando empresas a reverem suas políticas.

Além disso, as redes sociais funcionam como uma espécie de "vigilância" pública sobre ações de empresas. Casos de violações de direitos humanos, danos ambientais ou práticas de governança questionáveis podem ser rapidamente expostos e compartilhados, gerando repercussões. Isso leva as empresas a adotarem medidas mais transparentes e alinhadas com os princípios ESG para evitar perdas financeiras ou danos à sua imagem.

Os consumidores podem influenciar as empresas de várias maneiras, como boicotes, consumo consciente e divulgação de práticas sustentáveis. As redes sociais são ferramentas poderosas para isso, pressionando empresas a se posicionarem e mudarem. Movimentos organizados de consumidores também podem pressionar governos e instituições por legislações mais rígidas.

O poder das campanhas virais é um fator central nos boicotes ESG. A mobilização pode ocorrer de forma espontânea, com grupos de consumidores organizando boicotes coordenados em resposta a ações específicas de empresas. Por exemplo, se uma empresa for acusada de exploração ambiental, um boicote online pode ser organizado, com milhares de pessoas participando em pouco tempo.

Por último, as redes sociais permitem que os consumidores ofereçam feedback imediato sobre as práticas das empresas. Isso pode forçar as marcas a responderem rapidamente, tomando medidas para corrigir práticas ou no mínimo, se posicionar sobre determinados temas.

Alguns exemplos de boicotes de produtos relacionados a questões de ESG, são:

a) Boicote ao petróleo da Shell e outras empresas de energia: Durante as últimas décadas, várias empresas petrolíferas, incluindo a Shell, enfrentaram boicotes devido a preocupações ambientais. Os consumidores protestaram contra as práticas de extração e os impactos ambientais, como o derramamento de petróleo e a exploração de combustíveis fósseis. A pressão aumentou com as discussões sobre mudanças climáticas e a busca por alternativas mais sustentáveis;

b) Boicote ao fast fashion (exemplo: Zara, H&M): Marcas de fast fashion como Zara e H&M foram alvo de boicotes por suas práticas de produção insustentáveis, como o uso excessivo de plásticos, poluição da água e condições de trabalho inadequadas nas fábricas de países em desenvolvimento. O movimento crescente por práticas mais justas e ecológicas levou consumidores a boicotarem essas marcas e a apoiar alternativas que priorizam a sustentabilidade e o comércio justo;

c) Boicote ao Nestlé: A Nestlé enfrentou vários boicotes ao longo dos anos devido a questões ambientais e sociais. Um dos principais pontos de controvérsia foi o uso de água em regiões onde o acesso à água potável é limitado. Além disso, a empresa foi criticada por práticas de desmatamento e a produção de plásticos não recicláveis. Esses problemas geraram campanhas contra os produtos da empresa, com consumidores buscando alternativas mais éticas;

d) Boicote a produtos da Coca-Cola: A Coca-Cola também foi alvo de boicotes, principalmente devido ao impacto ambiental de suas operações e à acusação de exploração excessiva de recursos hídricos em áreas de escassez de água. Além disso, a empresa enfrentou críticas por suas práticas de marketing e pelo uso de embalagens plásticas descartáveis. Em resposta, alguns consumidores passaram a apoiar empresas que investem em embalagens reutilizáveis e na preservação de recursos naturais;

e) Boicote de produtos Dove: Esse boicote surgiu principalmente em função do desmatamento associado ao uso de óleo de palma nos produtos da marca, que é uma questão ambiental significativa. O óleo de palma é amplamente utilizado em produtos de beleza e cuidados pessoais, incluindo os da Dove, devido ao seu baixo custo e versatilidade. No entanto, o cultivo de palma de óleo tem sido uma das principais causas de desmatamento em várias regiões tropicais, especialmente em países como a Indonésia e a Malásia. Esse desmatamento tem graves consequências para o meio ambiente, incluindo a perda de biodiversidade e o aumento das emissões de gases de efeito estufa. Em resposta a isso, vários grupos ambientais, como o Greenpeace, começaram a pressionar marcas como a Dove (que faz parte da Unilever) a garantir que o óleo de palma utilizado em seus produtos fosse de fontes sustentáveis;

f) Boicote a empresas relacionadas ao desmatamento da Amazônia: Diversas empresas, não necessariamente focadas em cosméticos ou alimentos, mas que atuam em setores como pecuária, mineração e soja, também enfrentaram boicotes devido ao desmatamento ilegal na Amazônia. A pressão dos consumidores, especialmente nas redes sociais, se intensificou após o aumento do desmatamento na região durante os últimos anos, levando a um boicote indireto a produtos associados a práticas ambientais destrutivas

Esses boicotes refletem uma crescente consciência dos consumidores sobre questões ambientais, sociais e de governança, e como as empresas devem se adaptar para atender a essas expectativas.

A preferência por empresas com selos de sustentabilidade e índices ESG, campanhas de conscientização e educação também são importantes para orientar os consumidores. Dessa forma, a demanda coletiva pode direcionar o mercado para práticas mais éticas e sustentáveis, gerando um impacto positivo a longo prazo.

Além disso, movimentos de consumidores organizados podem pressionar governos e instituições a criarem legislações mais rígidas para garantir a responsabilidade corporativa. Dessa forma, a demanda coletiva pode direcionar o mercado para práticas mais éticas e sustentáveis, gerando um impacto positivo de longo prazo.

Patricia Punder, é advogada e compliance officer com experiência internacional. Professora de Compliance no pós-MBA da USFSCAR e LEC – Legal Ethics and Compliance (SP). Uma das autoras do “Manual de Compliance”, lançado pela LEC em 2019 e Compliance – além do Manual 2020.

Com sólida experiência no Brasil e na América Latina, Patricia tem expertise na implementação de Programas de Governança e Compliance, LGPD, ESG, treinamentos; análise estratégica de avaliação e gestão de riscos, gestão na condução de crises de reputação corporativa e investigações envolvendo o DOJ (Department of Justice), SEC (Securities and Exchange Comission), AGU, CADE e TCU (Brasil). www.punder.adv.br