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Os conflitos de competência ambiental

Algumas questões ainda não foram solucionadas pela Lei Complementar 140

A recém-publicada Lei Complementar (LC) nº 140, de 9 de dezembro de 2011, surge no mundo jurídico como o instrumento definidor da competência em matéria de licenciamento e fiscalização ambiental, regulamentando o parágrafo único do artigo 23 da Constituição Federal, depois de passados, por coincidência, 23 anos da sua edição. Após o decurso de tanto tempo e da ocorrência de diversos incidentes ambientais que expuseram os problemas da indefinição da competência ambiental, devemos nos perguntar qual a real importância da LC 140 para o futuro.

Até sua edição, os conflitos relativos a competência para o licenciamento ambiental giravam em torno da divergência entre o artigo 10 da Lei nº 6.938, de 1981 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente), que atribuía competência em decorrência da abrangência do potencial de impacto da atividade, e a Resolução Conama 237, de 2007, que trazia critérios de territorialidade, titularidade do bem jurídico protegido e natureza da atividade.

Quanto à competência fiscalizatória, para imposição de multas e instauração de processo administrativo, havia uma verdadeira corrida entre os órgãos ambientais dos três entes federativos para autuar os infratores.

A fim de definir a forma de cooperação entre os entes federativos e regulamentar o artigo 23 da Constituição Federal que contempla a competência comum entre União, Estados, Distrito Federal e municípios para a proteção do meio ambiente e combate à poluição, a LC 140 opta pelo critério da territorialidade e atribui competência, por exemplo à União, para atividades desenvolvidas em âmbito regional, no mar territorial, plataforma continental e zona econômica exclusiva; aos municípios, para atividades desenvolvidas em unidades de conservação criadas pelo município; e aos Estados, para as atividades cuja competência não foi atribuída à União ou aos municípios.

Por outro lado, a LC 140 abre a possibilidade para que comissões tripartites nacional e estaduais, e comissão bipartite do Distrito Federal, ainda a serem criadas, definam atividades que, segundo seu porte, potencial poluidor e natureza, serão licenciados por um ou outro ente federativo e deixa uma brecha para que as competências já estabelecidas sejam alteradas por regulamento, conforme critérios similares aos previstos no artigo 10 da Lei nº 6.938, de 1981.

Algumas questões ainda não foram solucionadas pela Lei Complementar 140

Portanto, diante da ausência momentânea de definição das exceções pelas comissões, fica a dúvida se os conflitos hoje existentes sobre a competência para o licenciamento ambiental foram ou serão efetivamente resolvidos. Um quiosque construído à beira da praia será licenciado pelo órgão ambiental federal, por estar em zona costeira? Um estaleiro cujo impacto pode alcançar o mar territorial, mas que não está situado no mar territorial será licenciado pelo órgão estadual? Nos parece que esses e outros questionamentos ainda não encontram solução definitiva na LC 140.

Quanto à competência fiscalizatória, embora a LC 140 estabeleça que somente um ente federativo poderá lavrar o auto de infração e instaurar o processo administrativo para sua apuração, ela não retira dos demais entes federativos a competência geral para a fiscalização da atividade. A norma prevê que qualquer pessoa que tiver ciência de uma infração ambiental deverá levá-la ao conhecimento do órgão licenciador, mas também prevê que qualquer dos entes federativos que tiver conhecimento de iminente ou efetiva degradação ambiental deverá determinar as medidas para evitá-la, cessá-la ou mitigá-la e poderá fiscalizar a conformidade dos empreendimentos com a legislação ambiental, prevalecendo, contudo, o auto de infração lavrado pelo órgão licenciador.

Embora, em uma primeira leitura, os dispositivos acima possam parecer contraditórios, entendemos que a interpretação mais correta seria a de que a competência fiscalizatória será do ente licenciador, mas, na sua omissão, outro ente federativo poderá autuar o infrator. A norma não restrige a competência comum fiscalizatória (e nem poderia, já que está expressa na Constituição Federal), mas cria regra de prevalência entre uma autuação e outra. Tal regra nos parece contrariar o artigo 76 da Lei nº 9.605, de 1998, pelo qual o pagamento da multa imposta pelos Estados e municípios substitui a multa federal aplicada para o mesmo fato, que, embora não tenha sido revogado expressamente pela LC 140, o foi tacitamente.

Assim, se, por um lado, a LC 140 andou bem ao criar a regra geral de competência fiscalizatória atrelada à competência licenciatória, por outro, a definição de competência para o licenciamento ainda parece incerto. Talvez os problemas de conflito de competência administrativa (para licenciamento e fiscalização) em matéria ambiental somente se resolvam após a edição dos regulamentos pelas comissões criadas pela LC 140.

Luciana Vianna Pereira é especialista em direito ambiental pela PUC-RJ e advogada associada ao escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados