Waldemar Deccache
Desde a vigência do revogado Decreto-lei nº 7.661, de 1945, juristas como Rubens Requião, Fábio Konder Comparato e Nelson Abrão preconizaram a necessidade de adoção de um sistema legal voltado para a recuperação das empresas com problemas de liquidez, em substituição ao velho e obsoleto instituto da concordata. Esse intento foi alcançado com a edição da Lei nº 11.101, de 2005, que introduziu em nosso ordenamento positivo o instituto da recuperação judicial para viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor e permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e do interesse dos credores, além de promover a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
Regrou o novo diploma falimentar que, uma vez ingressado o pedido de recuperação judicial - no qual cumprirá ao devedor demonstrar apenas as causas concretas que o levaram à crise financeira e apresentar as demonstrações contábeis dos três últimos exercícios, a relação de credores, de empregados e bens pessoais de seus sócios - , o juiz determinará a suspensão de todas as ações e execuções contra ele movidas pelo prazo de 180 dias. Nesse período, competirá ao devedor apresentar um plano de recuperação judicial discriminando os meios a serem nele empregados, entre os elencados no artigo 50 do diploma, quais sejam: a concessão de prazos para pagamento das obrigações, a reestruturação societária da recuperanda por meio de cisão, incorporação, fusão ou alteração do controle etc. Havendo objeção de qualquer credor, o plano será submetido à assembleia geral de credores, devendo ser aprovado pela maioria das três classes de credores: os trabalhistas, os quirografários e os com garantia real, sendo certo que sua rejeição resultará automaticamente na decretação da falência. De outro lado, a aprovação do plano de recuperação pela assembleia de credores implicará na novação dos créditos da empresa recuperanda perante seus credores.
A questão em foco refere-se à eficácia e validade da deliberação da assembleia de credores que aprova um plano de recuperação judicial, exonerando os garantidores das obrigações prestadas à empresa recuperanda por acionistas, diretores ou terceiros antes do deferimento da moratória legal.
Para enfrentar a questão, não se pode ignorar a regra contida no artigo 49, parágrafo 1º da nova lei, prevendo que, independentemente do deferimento da recuperação judicial, os credores conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados em regresso. Essa, aliás, já era a orientação da jurisprudência na vigência da lei anterior em relação aos garantidores das empresas sujeitas ao regime da concordata ou falência, e com mais razão deverá ser na vigência da nova lei, tendo em conta a existência nela de um preceito expresso nesse sentido, como é o artigo 49, parágrafo 1º. Essa diretriz não é abalada pelo fato de ser aprovado, em assembleia geral de credores, um plano de recuperação judicial contendo previsão expressa exonerando os garantidores da empresa recuperanda à revelia dos credores garantidos, uma vez que o artigo 50, parágrafo 1º acrescenta que a supressão da garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da mesma.
Essa convicção é reforçada pelo disposto no artigo 59 da nova Lei de Falências, que reza que a aprovação do plano de recuperação implica em novação das dívidas da empresa recuperanda sem prejuízo das garantias, indicando a clara intenção da legislação de prestigiar a segurança jurídica das garantias, independentemente da novação da dívida da empresa em recuperação judicial.
Diante desse quadro legal, não paira dúvida de que a previsão de exoneração dos garantidores inserida no plano de recuperação judicial aprovado será eficaz apenas em relação aos credores que votaram favoravelmente a esse plano de recuperação na assembleia geral de credores, pois a sua manifestação positiva no sentido da exoneração deve ser tida como renúncia às garantias constituídas em seu favor. Mas não o será, evidentemente, em relação aos credores que não aprovaram o plano de recuperação, seja porque presentes à assembleia votaram contrariamente ao mesmo - ou pelo menos contrariamente à cláusula de exoneração -, seja porque se abstiveram ou estiveram ausentes da assembleia em que foi aprovado o plano.
Assim decidiu corretamente a Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) no julgamento do Agravo de Instrumento nº 581.616.4/4-00, valendo sublinhar que a corte, pela excelência de suas decisões, vem servindo de guia para a interpretação da nova Lei de Falências. Entender de outro modo seria negar eficácia não apenas à regra constante do artigo 49, parágrafo 1º mas também aos artigos 59 e 50, parágrafo 1º da lei falimentar, transfigurando o instituto da recuperação judicial instrumento para enriquecimento ilícito dos garantidores, em detrimento dos credores da empresa em recuperação judicial.